Na última postagem, o inico da Guerra, na verdade, ao longo de todo o trabalho, mal se fala dos combates. A ideia original é tirar da frente tudo o que possa ofuscar as verdadeiras causas do Conflito, e entender como uma massa de camponeses pegua em armas por 4 anos para combater o exército brasileiro, nos leva aos momentos que antecedem ao combate. Bem, um resumo de tudo está logo abaixo, nas “conclusões”.
A DEFLAGRAÇÃO DO MOVIMENTO
Até 1910, a população de Santa Catarina chegava a 500.000 habitantes, estando 50.000 deles na região Contestada. Apenas uma pequena parte destes possuía a propriedade legal das terras. A maior parte da população vivia atrelada às fazendas, cuidando do gado; ou às margens das propriedades dos coronéis, na roça de subsistência, nas pequenas serrarias e principalmente na coleta da erva-mate.
Nos últimos anos da primeira década do Século XX, a população sofreu do Contestado sofreu um repentino crescimento de quase 20% do número de seus habitantes. A região recebe 8.000 novos moradores. Neste mesmo período, a atividade de extração da erva entra em crise, engrossando a massa dos homens marginalizados.
Toda essa gente passa a compor um grupo humano errante, desagregado, disponível para a irrupção do movimento rebelde do Contestado. A plebe rural, abandonada e desajustada no quadro institucional, refugia-se no messianismo, em protesto difuso e sem alvo.
Em fins de 1912, o país é sacudido com a notícia de que um grupo de sertanejos, armados por uma fé exaltada e desviada da ortodoxia da Igreja Católica, atacara um contingente da Força Pública paranaense.
Os rebelados eram conduzidos por um monge ignorante e desconhecido. O ataque se deu nos campos do Irani, nas proximidades do atual município de Concórdia, em Santa Catarina. Naquela ocasião, as terras estavam sob jurisdição do Estado do Paraná.
O grupo caboclo reunira-se em torno do seguidor de João Maria, José Maria. Sua presença não era bem vista pelos coronéis, e os sertanejos são expulsos para terras vizinhas.
O poder paranaense entendeu o deslocamento dos fies, tocados pelas oligarquias do lado catarinense, como uma invasão de seus domínios. Uma tropa é enviada para o ataque. As armas dos caboclos eram facões, e tiraram a vida de numerosos soldados, incluindo o comandante da tropa.
Começava oficialmente o Conflito do Contestado. A guerra duraria quatro anos, cinco expedições militares e milhares de vidas. O último reduto sertanejo a cair, no vale de Santa Maria, resistiu até o último cartucho deflagrado pelas forças republicanas.
Descalço, mal alimentado, miserável, ignorante, sem grandes conhecimentos militares e numericamente inferior, o povo rebelado lutou até o esgotamento total, numa resistência única e heroica. Para estes, o sistema vigente não tinha mais nada a oferecer a não ser a morte.
CONCLUSÕES
A questão que se esconde por de trás dos montes, no sertão de Santa Catarina é antes de mais nada uma questão agrária. O Conflito do Contestado é muito mais uma luta de classes pelo acesso à terra do que um simples surto messiânico, monarquista, herético, ou quaisquer outros eufemismos que sempre ocultaram o massacre de milhares de caboclos “fanáticos”.
Um estudo mais crítico do fenômeno passa pelas intensas transformações ocorridas no processo de desenvolvimento das forças produtivas, na segunda metade do Século XIX e no início do Século XX.
Em 1850, é proibido o tráfico negreiro no país, criando as condições para a instauração da mão-de-obra assalariada no Brasil. Com o fim do regime escravista o país está pronto para entrar definitivamente no circuito capitalista como potência agroexportadora.
Neste mesmo ano, é aprovada a Lei de Terras, que teve como principal consequência a privatização da terra, ou o que Marx chamou de acumulação primitiva. Outro pilar básico na sustentação do projeto capitalista.
Nos campos, massas de homens livres dão forma ao incipiente campesinato nacional. Sua situação é em geral de posseiro, sem escrituras sobre as terras em que vivem, trabalhando muitas vezes como agregado ou empregado temporário para grandes fazendeiros, ou “coronéis”.
As forças produtivas do Império avançam durante a República. Questão diversas, passando pela segurança nacional e pela integração regional que vêm ocorrendo, levam regiões periféricas do território nacional para um novo status.
A valorização das terras e a especulação imobiliária vão se acentuando conforme as relações mercantis se aprofundam pelos distantes campos catarinenses. O mate, que até outrora era de livre exploração do campesinato, alcança destaque na pauta comercial e passa a ser privilégio dos senhores de terras e grandes companhias exploratórias da erva.
A expansão capitalista, em sua etapa Imperialista, atinge seu ponto crítico no sertão com a chegada do grupo americano Farquhar e sua com companhia de trens. Escutemos o que diz Lênin em O Imperialismo Fase Final do Capitalismo.
“A construção de vias férreas é aparentemente uma empresa simples, natural, democrática, cultural, civilizadora … Na realidade, os laços capitalistas, que ligam por muitas redes essas empresas à propriedade privada dos meios de produção em geral, transformaram essa construção num instrumento de opressão para um bilhão de homens (nas colônias e semi-colônias), isto é, para mais da metade da população do globo nos países dependentes …”
A chegada do trem à região Contestada significou a chegada de 8.000 novos moradores, que não serão recolocados ao fim da obra. A linha férrea trouxe também a valorização das terras, com o aumento de sua renda relativa.
O Capital Monopolista avança, a madeireira Lumber arrasa toda a concorrência da pequena indústria local, juntamente com milhares de hectares de matas nativas. Os porjetos colonizadores tomam o resto de terras disponíveis.
Ao homem do campo, esquecido pelas autoridades do Estado, desamparado de direitos, sobra sucessivas expulsões. Este perda a exploração do mate, da madeira, das terras de onde retirava sustento mínimo e de onde fazia sua morada.
Neste contexto de total exclusão, é que as vozes dos monges servem de conforto para centenas de homens. O regime republicano, para os sertanejos, significou o fim de qualquer esperança de dias melhores. Foi com naturalidade que aceitaram combater em favor de uma monarquia celeste, que rejeitava a nova ordem capitalista instaurada nos planaltos.
É somente à luz destes fatos que poderemos entender os reais motivos que levaram famílias inteiras a se transformarem em perigosos bandidos, que resistiram firme, até a última alma, combatendo o grosso das tropas do exército nacional.