Recortes Modernos – IV Ato

IV ATO

A BATALHA FINAL

recortes modernos capa

Os relatos de quem fez a Semana; a posição dos críticos. A receptividade do público; todo o tumulto causado pelo evento; e as sementes que o movimento deixou para as gereções seguintes.

catalogo 1922

Paulo Prado:

“Dentro de pouco tempo – talvez bem pouco – o que se chamou em Fevereiro de 1922, em São Paulo, a Semana de Arte Moderna marcará uma data memorável no desenvolvimento literário e artístico do Brasil. ”

Mário de Andrade:

“São moços de tendências múltiplas, moços apenas iguais pela liberdade. Reuniram-se apenas porque união é força, e nestes tempos de sindicalismo, o ente solitário dispersa-se e empobrece. Assim somos os rapazes da Semana da Arte Moderna.”

Oswald de Andrade:

“E a semana de arte moderna virá mostrar como esses espíritos de vanguarda são apenas os guias de um movimento tão sério que é capaz de educar o Brasil e curá-Io do analfabetismo letrado em que lentamente vai para trás.”

Mário de Andrade:

“Quem teve a ideia da Semana de Arte Moderna? Por mim não sei quem foi, nunca soube, só posso garantir que não fui eu. Foi o próprio Graça Aranha? Foi o Di Cavalcanti? Porém o que importa era poder realizar essa ideia, além de audaciosa, dispendiosíssima. ”

Oswald de Andrade:

“E a chegada de Graça Aranha da Europa imprime ao movimento um interesse mais vivo. Ele ligou-se imediatamente à geração construtora. Sob a iniciativa de Paulo Prado, organizou-se uma semana de arte moderna brasileira. ”

Cândido Motta Junior:

“Graça Aranha fala em cubismo para os copistas da arte velha; fala em todas as transformações de valores artísticos com a naturalidade calma de um convencido que viu, no Velho Mundo, o enflorescimento mágico da arte nova.”

Di Cavalcanti:

“Graça Aranha tirou um pouco da nossa pureza. A culpa não foi dele. Sua habilidade de diplomata, seu savoir faire de mundano, sua autoridade de mais velho, agiam como música sedutora. Ele prometia unir-nos aos modernistas do Rio, levar o nosso movimento ao Norte e ao Sul de todo o Brasil.”

TODOS:

“Futurices

De um crítico que passa

O parecer o meu ouvido passa

A exposição de Artistas

Futuristas

Não tendo graça

Arranha.”

O Estado de S. Paulo:

“Por iniciativa do festejado escritor, Sr. Graça Aranha, haverá em S. Paulo uma Semana de Arte Moderna, em que tomarão parte os artistas que, em nosso meio, representam as mais modernas correntes artísticas. ”

Mário de Andrade:

“A ideia pertence a Di Cavalcanti. Chegado do Rio desde 1921 guerreiro, comunicara-me o projeto, bem como a Oswaldo, Anita e outros. Pretendíamos abrir um salão de pintura e escultura, com tardes literárias em que se recitariam versos e conferências. Graça Aranha chegou do Rio. Quis conhecer-nos. Auxiliado por Paulo Prado, René Thiollier e outros. Organizou-a. ”

René Thiollier:

“O fato é que, sobre as minhas costas, choveram pesadíssimos encargos. Nunca me vi assim metido num afogo de trabalhos. Corria de um lado para o outro, perseguido pelo tilintar do telefone. ”

Di Cavalcanti:

“Era preciso uma base econômica para a realização do plano de conferências, exposições e concertos. Graça Aranha tinha uma ligação de amizade com Paulo Prado, deu-me um cartão de apresentação, lá fui eu me encontrar com Paulo Prado na avenida Higienópolis e, da conversa com aquele grande homem que possuía um passado intelectual e boa vida parisiense, nasceu a ideia da Semana de Arte Moderna.”

Mário de Andrade:

“E o autor verdadeiro da Semana de Arte Moderna foi Paulo Prado. E só mesmo uma figura como ele e uma cidade grande mas provinciana como São Paulo, poderiam fazer o movimento modernista e objetivá-Io na Semana.”

Di Cavalcanti:

“Eu sugeri a Paulo Prado a nossa semana, que seria uma semana de escândalos literários e artísticos, de meter estribos na barriga da burguesiazinha paulistana.”

Mário de Andrade:

“Paulo Prado, com a sua autoridade intelectual e tradicional, tomou a peito a realização da Semana, abriu a lista das contribuições e arrastou atrás de si os seus pares aristocratas. ”

René Thiollier:

“Consegui ainda de outro amigo meu, o Sr. Dr. Washington Luís, presidente do Estado, que seu governo custeasse uma parte das despesas com a hospedagem dos artistas e escritores que vinham do Rio.”

Correio Paulistano:

“Assim, será aberto o Teatro Municipal durante a semana de 11 a 18 de fevereiro próximo, instalando-se aí uma curiosa e importante exposição, para qual concorrem os nossos melhores artistas modernos.”

Oswald de Andrade:

“No palco nos alinhamos Menotti del Picchia, eu, Mário de Andrade, Sérgio Milliet, Ronald de Carvalho, o poeta suíço Henri Mugnier e Agenor Barbosa. A tela subiu e vi que o teatro estava repleto.”

Mário de Andrade:

“Estamos célebres! Enfim! Nossos livros serão comprados! Ganharemos dinheiro! Seremos lidíssimos! Insultadíssimos! Celebérrimos! Teremos os nossos nomes eternizados nos jornais e na História da Arte Brasileira.”

Oswald de Andrade:

“Menotti, de pé, iniciou a apresentação dos novos escritores,aproveitando o primeiro silêncio. Ouviram-no atenciosamente até o fim. Aí, disse ele, apontando-me, que para dar um exemplo do que era a prosa nova, ia eu ler um trecho de um romance inédito.”

Correio Paulistano:

“Nunca os nossos artistas se congregaram ligando num mesmo elo a pintura, a escultura, a música e a poesia. Essas formas das expressões emotivas andaram sempre isoladas e quase interindependentes. Sob esse ponto de vista, a Semana de Arte Moderna é digna de nota.”

Oswald de Andrade:

“Mas a pouca gente interessava o que eu ia ler e apresentar. Apenas Menotti se sentou e eu me levantei e o Teatro estrugiu numa vaia irracional infame. Antes mesmo d’eu pronunciar uma só palavra. ”

Jornal do Comércio:

“A embaixada de arte moderna não passa de uma patacoada, procurando imitar um grupo de desequilibrados, que criaram a escola do absurdo com a pretensão de desbancar a arte que vem sendo aperfeiçoada através dos séculos.”

Oswald de Andrade:

“Esperei de pé, calmo, sorrindo como pude, que o barulho serenasse. Depois de alguns minutos isso se deu. Abri a boca então. Ia começar a ler, mas a pateada se elevou, imensa, proibitiva. ”

Graça Aranha:

“Da libertação do nosso espírito sairá a arte vitoriosa. E os primeiros anúncios da nossa esperança são os que oferecemos aqui à vossa curiosidade. São estas pinturas extravagantes, estas esculturas absurdadas, esta poesia aérea e desarticulada. Maravilhosa aurora!”

Oswald de Andrade:

“Nova e calma espera, novo apaziguamento. Então pude começar. Devia ter lido baixo e comovido. O que me interessava era representar o meu papel, acabar depressa, sair se possível. ”

Jornal do Comércio:

“Quem for justo como homem de sua época, concordará que na exposição de trabalhos artísticos no Municipal, há irradiações maravilhosas de talento, aromas sonoros, sangue a ferver, nervos eletrizados, cartilagens crispadas, enfim, o sopro vital fremente, de uma ressurreição de arte.”

Oswald de Andrade:

“No fim quando me sentei e me sucedeu Mário de Andrade, a vaia estrondou de novo. Mário, com aquela santidade que às vezes o marcava, gritou.”

Mário de Andrade:

“Assim não recito mais!”

Oswald de Andrade:

“Houve grossas risadas. ”

Mário de Andrade:

“Oh! Semana sem juízo. Desorganizada, prematura. Irritante. Ninguém se entendia. Cada qual pregava uma coisa. Uns pediam liberdade absoluta. Outros não a queriam mais. O público vinha saber. Mas ninguém lembrava de ensinar. Os discursos não esclareciam coisa nenhuma. Nem podiam, porque não havia tempo: os programas estavam abarrotados de música.”

Graça Aranha:

“Para muitos de vós a curiosa e sugestiva exposição que gloriosamente inauguramos hoje, é uma aglomeração de horrores. Aquele Gênio supliciado, aquele homem amarelo, aquele carnaval alucinante, aquela paisagem invertida se não são jogos da fantasia de artistas zombeteiros, são seguramente desvairadas interpretações da natureza e da vida.”

Mário de Andrade:

“Foi no meio da mais tremenda as suada, dos maiores insultos, que a Semana de Arte Moderna abriu a Segunda fase do movimento modernista, o período realmente destruidor. ”

Oswald de Andrade:

“Queremos mal ao academismo porque ele é o sufocador de todas as aspirações joviais. Para vencê-Io destruímos. Somos boxeurs na arena. Não podemos refletir ainda atitudes de serenidade. Essa virá quando vier e o futurismo alcançar o seu ideal clássico.”

Graça Aranha:

“Outros horrores vós esperam. Daqui a pouco, juntando-se a esta coleção de disparates, uma poesia liberta, uma música extravagante, mas transcendente, virão revoltar aqueles que reagem movidos pelas forças do passado.”

Villa-Lobos:

“Demos três concertos, ou melhor, três festas de arte. No primeiro, o amigo Graça Aranha fez uma conferência violentíssima, derrubando quase pro completo todo o passado artístico. O público levantou-se indignado. Protestou, blasfemou, vomitou, gemeu e caiu silencioso.”

Guiomar Novaes:

“Em virtude do carácter bastante exclusivista e intolerante, que assumiu a primeira festa de arte moderna, realizada na noite de 13 do corrente no Theatro Municipal, em relação às demais escolas de música, das quais sou intérprete, e admiradora, não posso deixar de aqui declarar o meu desacordo com esse modo de pensar. Senti-me sinceramente contristada. ”

Menotti del Picchia:

“Morra a mulher tuberculosa lírica! No acampamento da nossa civilização pragmatista, a mulher é colaboradora inteligente e solerte da batalha diuturna, e voa no aeroplano, que reafirma a vitória brasileira de Santos Dumont.”

Renato de Almeida:

“A nossa grande Guiomar Novais ameaçou não continuar participando da Semana. Alguém foi dizer isso a Graça Aranha e ele replicou imediatamente.”

Graça Aranha:

“Pois que não tome.”

Renato de Almeida:

“Sei que o caso ia azedando e se falou até em duelo. E os escândalos da Exposição de Pintura e Escultura, sobretudo o ‘Homem Amarelo’, de Anita Malfatti que, então, consideravam o fim.”

Graça Aranha:

“Que importa o homem amarelo ou a paisagem louca, ou o Gênio angustiado não sejam o que se chama convencionalmente reais? O que nos interessa é a emoção que nos vem daquelas cores intensas e surpreendentes, daquelas formas estranhas, inspiradoras de imagens.”

A Gazeta:

“Como se vê a senhorita Malfatti desconhece por completo harmonia, cor e perspectiva, consequências lógicas do desenho, cujos enigmas só agora está tentando decifrar. Tanto ela como o mestre desanimaram, A primeira por incapacidade, o segundo por desânimo, diante das dificuldades incríveis de atenuar na sua aluna as desastrosas influências da iniciação abexim.”

Graça Aranha:

“A remodelação estética do Brasil iniciada na música de Villa-Lobos, na escultura de Brecheret, na pintura de Di Cavalcanti, Anita Malfatti, e na jovem e ousada poesia, será a libertação da arte dos perigos que a ameaçam do inoportuno arcadismo, do academismo e do provincialismo.”

Jornal do Comércio:

“O conferencista discorreu sobre as diversas manifestações da pintura e da escultura moderna no Brasil fazendo ver que nenhum deles obedecia a nenhuma escola. Elevou um hino ao Brasil novo e forte. As últimas palavras do orador foram ditas debaixo de vibrantes aplausos.”

ANoite:

“O que sabemos é que muita gente vai zangar-se, muita gente vai aplaudir, muita gente vai rebentar em gargalhadas. O futurismo vive nesse triângulo: os que o guerreiam, os que o aplaudem, os que dele se riem. E a graça é que os futuristas gostam mais dos primeiros – dos que guerreiam.”

Menotti Del Picchia:

“Que engano! Nada mais ordeiro e pacífico que este bando de vanguarda, liberto do totemismo tradicionalista, atualizado na vida policiada, violenta e americana de hoje. Ninguém respeita mais o casse-tête do guarda-cívico da esquina.”

TODOS:

“Eu insulto o burguês!

O burguês-níquel, O burguês-burguês!

A digestão bem feita de São Paulo!

O homem-curva! O homem-nádegas!

O homem que sendo francês, brasileiro, italiano, é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!

AGazeta:

“Não falando, por hoje, senão nos pseudo-artistas que expõem no saguão do Municipal, podemos afirmar sem rebuço que nunca houve mais deslavado cinismo do que o deles próprios e dos seus asseclas ao afirmarem em altos brados a própria originalidade e personalidade acima de toda a grita que desenvolvem, há de estar, por força, incorruptível, a consciência da própria nulidade e esterilidade.”

Ronald Carvalho:

“Mas esta reunião modernista está cheia de passadistas!”

Paulo Prado:

“Isso não tem importância. O que é importante é a reunião!”

Menotti del Picchia:

“Para eles – idiotas! – não havia automóveis, corsos, sapateiros martelando solas, ministros vendendo pátrias a varejo no balcão internacional de conferências e tribunais de arbitragem. ”

Graça Aranha:

“Reclamemos contra essa arte imitativa e voluntária que dá uma feição artificial. Louvemos aqueles poetas que se libertam pelos seus próprios meios e cuja força de ascensão lhes é intrínseca.”

AGazeta:

“Este movimento, pois, é uma manifestação de mais desabusada improbidade artística de que há memória, um verdadeiro estelionato, praticado por sujeitos que, simples aprendizes desastrados, reles imitadores ou deslocados plagiadores, dizendo-se gênios autênticos, originais, livres e pessoais.”

Menotti del Picchia:

“Somos o escândalo com duas pernas, o cabotinismo organizado em escola. Julgam-nos uns cangaceiros da prosa, do verso, da escultura, da pintura, da coreografia, da música, amotinados na jagunçada do Canudos literário da Paulicéia Desvairada.”

AGazeta:

“Brecheret, o artista genial é o mesmo que, plagiando, quase copiando o Ídolo de Attilo Selva com a alcunha de Eva, impingiu-o àcegueira artística da Câmara Municipal. Como se vê, o sr. Brecheret, um dos grandes artistas da Semana Futurista, depois Semana Moderna, pode ir pregar originalidade a outras terras.”

Menotti del Picchia:

“Queremos luz, ar, ventiladores, aeroplanos, reivindicações obreiras, idealismos, motores, chaminé de fábricas, sangue, velocidade, sonho na nossa Arte! E que o rufo de um automóvel, nos trilhos de dois versos, espante da poesia o último deus homérico.”

Paulo Prado:

“A ela, Semana devemos o terem-se aberto, bem largas, as portas do municipal, para uma rajada de ar puro que limpou o palco e corredores do teatro. E, pela primeira vez, S.Paulo se interessou com paixão, por um problema de arte; pela primeira vez em meio do nosso industrialismo.”

A Gazeta:

“O mal, porém, assume tais proporções, que é necessário aplicar sem detença e sem piedade a estes propagadores da peste artística o remédio heroico com que se alcançou extinguir a peste bovina, mais extensa é certo, mas menos desastrosa que esta.”

Mário de Andrade:

“A verdade é que o futurismo é hoje um caso chocantemente sensacional. Uns proclamam-no, aplaudem-no, veneram-no, outros o agridem, o repudiam, o guerreiam e o arrasam. Outros ainda acham-lhe infinita graça.”

René Thiollier:

“No saguão do teatro apinhado e rumorejante não havia quem se não deixasse tomar de pavor e êxtase, ao defrontar com os horrores épicos da senhorinha Anita Malfatti. E não a poupavam! Era com requinte que se punham a gozar.”

Anita Malfatti:

“No saguão do Teatro, tudo era revolucionário, tudo diferente.”

Menotti dei Picchia:

“Mário de Andrade, o diabólico, dirá coisas infernais sobre as alucinantes criações dos pintores futuristas, justificando as telas que tanto escândalo e tanta grita têm causado no hall do Municipal. Só isso valeria a Noitada.”

Sérgio Milliet:

“E foi lá que se viu homens como Mário de Andrade e outros distinguirem-se por sua coragem calma e sua fé, explicando, sob os assovios e o sarcasmo, as teorias da arte moderna e afirmando com voz forte no meio das vaias.”

Mário de Andrade:

“Os velhos morrerão, senhores.”

Anita Malfatti:

“Foi com esta conferência que apareceram as primeiras ideias modernas na literatura paulista. ”

Mário de Andrade:

“Como tive coragem de participar daquela batalha! Como tive coragem para dizer versos diante duma vaia tão barulhenta que eu não escutava no palco o que o Paulo Prado me gritava da primeira fila das poltronas? Como pude fazer uma conferência sobre artes plásticas, na escadaria do Teatro, cercado de anônimos que me caçoavam e ofendiam a valer?”

Anita Malfatti:

“Mário não tinha voz para empolgar as massas. Sua voz desaparecia no barulho das vaias e gritaria. Resolveu, pois, ler a sua conferência ‘A Escrava que Não é Isaura’, da escadaria do saguão.”

Mário de Andrade:

“Fui encorajado, fui enceguecido pelo entusiasmo dos outros. Apesar da confiança absolutamente firme que eu tinha, mais que confiança, fé verdadeira, eu não teria forças nem físicas nem morais para arrostar aquela tempestade de achincalhes. Se aguentei o tranco, foi porque estava delirando. O entusiasmo dos outros me embebe dava, não o meu.

Por mim teria cedido.”

Anita Malfatti:

“Pegou pois o pessoal de surpresa e leu, nervoso mas resolvido, sua célebre conferência. O saguão e a escadaria ficaram repletos e quando o pessoal da vaia deu com que estava se passando, recomeçou, mas logo cessou, pois o Mário tinha terminado.”

Sérgio Milliet:

“O público, hostil e refratário, diante da calma olímpica dos artistas sentiu-se, perto do final, petrificado.”

Mário de Andrade:

“Grande espanto, indignação mesmo, provocados pela grita desses galos turbulentos e nem sempre razoáveis. Mas estes já sabiam que sempre se irrita quem acorda no meio do sono. O erro deles foi imaginar que os cocoricós adiantam a aparição da madrugada. ”

Graça Aranha:

“Que nos importa que a música transcendente que vamos ouvir não seja realizada segundo as fórmulas consagradas? O que nos interessa é a transfiguração de nós mesmos pela magia do som, que exprimirá a arte do músico divino. É na essência da arte que está a Arte.”

Villa-Lobos:

“Fui atacado no pé de uma bruta manifestação de ácido úrico, levando-me para cama diversos dias, até o meu amigo Graça Aranha vir me contratar para uma Semana de Arte Moderna em São Paulo. Ainda capengando parti com os meus melhores intérpretes para São Paulo.”

Menotti Dei Picchia:

“Villa-Lobos pode ficar tranquilo; A Semana Não destruirá sua originalidade pioneira, apenas a registrará com o seu comparecimento tão pitoresco na ribalta do nosso Municipal, cabeleira agitada, chinelo no pé, marcadamente modernista.”

Villa-Lobos:

“Quando chegou a vez da música, as piadas das galerias foram tão interessantes, que quase tive a certeza de a minha obra atingir um ideal, tais foram as vaias que cobriam os louros.”

René Thiollier:

“A atmosfera cada vez se tomava mais agressiva, mormente em relação às composições de Villa-Lobos. Até que, a súbitas, por entre gritos ululantes, apupos e assobios, estrugiu, num escarcéu de fúria, uma vaia prolongada. ”

Villa-Lobos:

“Chegamos ao terceiro concerto, que era em minha homenagem. Organizei um bom programa. Começamos pelo 3° Trio, que, de quando em quando, um espectador musicista assobiava o principal tema, paralelamente com o instrumento que o desenhava.”

Renato de Almeida:

“A vaia mesmo estrugiu com a música de Villa-Lobos. Levaram gaitinhas para as torrinhas e comentavam certas passagens mais ousadas. Algumas intérpretes chegaram a chorar. Mas para nós era o desafio que se aceitava.”

Villa-Lobos:

“Nos outros números, novas manifestações de desagrado, até o último número, que foi o quarteto simbólico, onde consegui uma execução perfeita, com projeção de luzes e cenários apropriados a fornecerem ambientes estranhos, de bosques místicos, sombras fantásticas, simbolizando a minha obra como a imaginei. Na segunda parte desse quarteto o conjunto esclarece um ambiente elevado, cheio de sensações novas. Pois bem. Um gaiato qualquer, no mais profundo silêncio, canta de galo com muita perícia. Bumba, pôs abaixo toda a comoção que o auditório possuía. ”

Jornal do Comércio:

“Tivemos aqui um futurista que foi vaiado em Paris; temos agora o sr. Villa-Lobos, que ouviu assobios e gaitadas em São Paulo.”

Menotti dei Picchia:

“De um lado, artistas de fama faziam versos, recitavam trechos de prosa, enchiam o ambiente de harmonias. De outro lado, alguns indivíduos, que chegaram a envergonhar o gênero humano, ladravam e cacarejavam.”

Villa-Lobos:

“A polícia finalmente interveio prendendo os graçolas e mais duas latas grandes de manteiga cheias de ovos podres e batatas. Esses moços, ao serem interrogados, declararam que aqueles presentes estavam destinados a coroarem os promotores da Semana de Arte Moderna em São Paulo, como se fossem flores e palmas.”

Menotti del Picchia:

“Tudo o que nesta terra não ladra, não gane, não cacareja, não morde, aplaudiu com calor os libertadores da Arte, sagrando o seu esforço e fazendo frutificar, gloriosamente, o seu exemplo!”

Jornal do Comércio:

“Essa nova arte, que tem por base a ausência de arte, invadiu a música, a pintura e a escultura sob diversas denominações, mas sem nenhuma novidade, nem interesse, a não ser para os psiquiatras.”

Mário de Andrade:

“Insultaram-nos. Somos bestas, doentes, idiotas. Mas como os jornais o disseram e o público não acredita. Toda gente imagina que somos perfeitíssimos de corpo e alma, inteligentes, honestos e eruditos.”

Folha da Noite:

“Foi, como se esperava, um notável fracasso, a récita de ontem da pomposa Semana de Arte Moderna, que mais acertadamente deveria chamar-se Semana de Mal – às artes.”

Renato de Almeida:

“A Semana foi uma delícia. Aconteceu que nós queríamos e provocamos, a vaia, o apupo, a descompostura. Quando Ronald de Carvalho leu ‘Os Sapos’, de Manuel Bandeira que não pudera comparecer, as galerias glosavam o refrão.”

TODOS:

“Enfunando os papos,

Saem da penumbra,

Aos pulos, os sapos.

A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra,

Berra o sapo-boi:

-Meu pai foi à guerra!

-Não foi! – Não foi!

O sapo-tanoeiro,

Parnasiano aguado,

Diz: -Meu cancioneiro

É bem martelado.

Vêde como primo

Em comer hiatos!

Que arte! E nunca rimo

Os termos cognatos.

O meu verso é bom

Frutamento sem joio.

Faço rimas com

Consoantes de apoio.

Vai por cinquenta anos.

Que lhes dei a norma:

Reduzi sem danos

A fôrmas a forma.

Clame a saparia

Em críticas céticas:

Não há mais poesia,

Mas há artes poéticas.”

 

Di Cavalcanti:

“A confusão era geral. René Thiollier não sabia por que admirar tudo aquilo. Uma noite, no Bar do Municipal, pergunta-me com o coração aberto.”

René Thioller:

“Di, você é sincero com esses seus bonecos loucos?”

Di Cavalcanti:

“Sinceríssimo! Todos nós somos sinceros”

René Thioller:

“Até o Oswald de Andrade?”

Di Cavalcanti:

“Sim!”

René ThioUer:

“Merde alors!”

Menotti Dei Picchia:

“Este é o estilo que de nós esperam os passadistas, para enforcar-nos, um a um, nos finos baraços dos assobios das suas vaias. Para eles nós somos um bando de bolchevistas da estética, correndo a 80 H.P. rumo da paranoia.”

A Gazeta:

“O sr. Di Cavalcanti, que por ser de fato um molecote ainda em cueiros, é quase irresponsável pelos atendados burlescos que pratica, pois nunca aprendeu nada em sua vida: desenho, cor, proporções, perspectiva, são para ele verdadeiros logogrifos. Enquanto não os resolve, vai pacificamente masturbando telas abracadabrantes, dolorosos produtos de um onanismo cerebral desenfreado, próprio da idade, infelizmente, e que só com a idade passará. A sua obra não merece ser considerada. É um menino vicioso, que faz coisas feias pelos cantos da arte, de onde será enxotado a correadas.”

Mário de Andrade:

“Nessa inesquecível Semana, passaram-se em revista as forças da orientação. Bruta sacudidela nas artes nacionais! É indiscutível que jamais reviravolta de arte movimentou, apaixonou e enlouqueceu mais a monotonia brasileira que o chamado futurismo. Enchentes de tinta, vulcões de lama, saraivada de calúnias. Muito riso e pouco siso. De ambas as partes. A Semana de Arte Moderna foi um triunfo!”

Jornal do Comércio:

“Enterro dos vivos. A Semana de Arte Moderna está para acabar. É pena porque, com franqueza, se do ponto de vista artístico aquilo representa o definitivo fracasso da escola futurista, como divertimento foi insuperável.”

Fanfulla:

“Futurismo? Não. Simplesmente um ato de rebelião contra tudo que constitui idolatria pelo passado. Futurismo? Não. Nada de futurismo se vós entendeis por futurismo tudo o que represente insulto à arte. Futurismo, sim, se futurismo deve significar uma provocação arrogante, desdenhosa e orgulhosa.”

Folha da Noite:

“De tudo quanto vimos e observamos do tal Futurismo, metidos sempre no nosso atraso mental, deduzimos que os modernistas possuem uma coisa: topete, muito topete.”

Oswald de Andrade:

“Futuristas, apenas porque tendíamos para um futuro construtor, em oposição à decadência melodramática do passado de que não queríamos depender. Denominar-nos pois ainda e futuristas é renunciar à crítica pelo coice.”

A Gazeta:

“Eis aí em que dão os independentes, os geniais, os originalíssimos mequetrefes, libertos de influências e de cânones: uns copistas, uns incapazes, uns masturbadores. Amanhã ou depois lhe indicarei as fontes Castálias onde os Del Picchia, os Guilhermes, os Osvaldos, os Ronaldes de Carvalho, os Graça Aranha, vão beber, vão tomar as suas carraspanas de

gênio, que depois vomitam sobre as turbas como produtos autênticos e originais, distilados das próprias circunvoluções cerebrais. O plágio e a imitação! A imitação e o plágio!”

Mário de Andrade:

“A Semana de arte Moderna não representa nenhum triunfo, como também não quer dizer nenhum triunfo, como também não quer dizer nenhuma derrota. Foi uma demonstração que não foi. Realizou-se.”

Sérgio Milliet:

“Dizer-lhe que o público aceitou as teorias seria falso. Ele vaiou e, mais ainda, urrou manifestou-se ao longo de toda a noitada. Os estudantes comprimidos nas galerias do grande teatro frequentemente impediram a plateia de ouvir.”

Mário de Andrade:

“Somos burríssimos. Idiotas. Ignorantíssimos. Só havia um meio de alcançar a celebridade: lançar uma arte verdadeiramente incompreensível, fabricar o carnaval de Semana de Arte Moderna. Estamos célebres, amados e detestados.”

Yan de Almeida Prado:

“A Semana de Arte Moderna pouco ou nenhuma ação desenvolveu no mundo das artes e da literatura. Nem com extrema boa vontade pode ser comparada à Vila Kyrial de quem pouco se fala. Pensar-se de modo diverso, crer que a Semana descobriu gênios e influiu na evolução das artes e letras da Pauliceia e do Brasil, é imaginação de ingênuos.”

Mário de Andrade:

“Outras vozes pode haver surgidas antes. Mas viveram ilhadas; e realmente nenhuma influência tiveram nesse grupo, do qual partiu todo o movimento de modernização, hoje espalhado. ”

Ronald Carvalho:

“Após a famosa Semana de Arte Moderna, organizada e dirigida por Graça Aranha, em que os filisteus colaboraram com balões de assobio, piadas medrosas, latidos, miados e cocoricós, os independentes de S. Paulo não cruzaram os braços. Levantaram os martelos e começaram a malhar. Aos insultos, acudiram com riso, um riso largo e generoso, de pena e ironia.”

Mário de Andrade:

“Cada um seguiu para seu lado, depois. Precipitada. Divertida. Inútil. A fantasia dos acasos fez dela uma data das artes nacionais. Eis a famosa Semana. A culpa não cabe a ninguém.”

Menotti del Picchia:

“Demais, ao nosso individualismo estético, repugna a jaula de uma escola. Procuramos, cada um, atuar de acordo com nosso temperamento, dentro da mais arrojada sinceridade.”

Paulo Prado:

“A própria indignação dos adversários, prolongando-se por meses e meses, foi um fenômeno animador, sendo uma das provas da existência de forças latentes de reação no nosso organismo social. Quem tanto odeia, não está longe de amar.”

Mário de Andrade:

“Foi nesse delírio de profunda raiva que Paulicéia Desvairada se escreveu. Paulicéia manifesta um estado de espírito eminentemente transitório: cólera cega que se vinga, revolta que não se esconde.”

Klaxon:

“Houve erros proclamados em voz alta. Pregaram-se idéias inadmissíveis. É preciso refletir. É preciso esclarecer. É preciso construir. Daí, Klaxon. E Klaxon não se queixará jamais de ser incompreendido pelo Brasil. O Brasil é que deverá se esforçar para compreender Klaxon.”

Ronald Carvalho:

“Klaxon é a voz de todas essas vozes libertas de sinuosos compromissos.”

Guilherme de Almeida:

“Klaxon, que teve a alegre coragem de “continuar” a escandalosa tertúlia do Municipal, foi a única revista brasileira que, não tirando sequer mil exemplares teve forte repercussão além-fronteiras … viveu, no ventre fecundo da “Semana”, os biológicos nove meses da vida gestatória: de maio de 1922 a janeiro de 1923. Quando então se partiu o cordão umbilical, Klaxon morreu. Porque não saberia viver sem a materna influência vital. Não pode haver mais legítimo, fiel e amoroso filho.”

Mário de Andrade:

“A Semana de Arte Moderna dava um primeiro golpe na pureza do nosso aristocracismo espiritual. E vivemos uns oito anos, até perto de 1930, na maior orgia intelectual que a história artística do país registrara.”

Paulo Prado:

“A Semana de Arte foi o primeiro protesto coletivo que se ergueu no Brasil contra esses fantoches do passado. Graças aos seus ataques irreverentes de um delicioso exagero, muito livro de verso de rima rica e idéia pobre deixou de aparecer, muito quadro fugiu, e muita caduquice rabugenta voltou amedrontada. Assim iniciou o grupo da Arte Moderna a obra de saneamento intelectual de que tanto precisamos. ”

Mário de Andrade:

“Eu creio que os modernistas da Semana de Arte Moderna não devemos servir de exemplo a ninguém. Mas podemos servir de lição.”