POR DETRÁS DOS MONTES V

Finalmente chegamos no que pode ser o principal ponto da Guerra do Contestado, a chegada do Grupo Farquhar. A intervenção do capitalista norte-americano vem agravar de vez a precária situação do homem do campo, empurrando os excluídos para seu destino final. O extermínio em massa.

 

 

INCREMENTO DAS RELAÇÕES REGIONAIS

 

O Contestado era uma área isolada do restante do Estado e do Brasil, o interior comunicava-se com os centros mais populosos através de precários caminhos de tropas. A expansão da área cafeicultora gerava demanda de produtos agropastoris e contribuiu muito para que as regiões sulinas interligassem seus núcleos urbanos a rotas que levassem para os mercados de São Paulo.

Outro fator importante para o incremento das relações regionais foi a disputa de fronteiras com a Argentina (1881 – 1895). Existia a necessidade de uma ação estratégica por parte do Estado, para garantir a soberania nacional em terras em litígio com a nação vizinha.

Os extensos campos eram praticamente desabitados, ao menos por núcleos urbanos estáveis, e o poder público não detinha instituições que o representassem. Era uma terra de ninguém. Para assegurar a posse do território frente à disputa internacional, foi criado o Plano de Viação do Império, que incluía uma longa linha férrea, ligando Itararé (SP) à Boca do Monte (RS), 30 Km de Santa Maria, com 1.400 Km de extensão.

A ferrovia cortaria regiões de férteis terras devolutas, em especial no trecho ao sul do rio Iguaçu (SC) e Passo Fundo (RS). O local era abundante em ervais e em pinheiros de alta qualidade. Seu projeto data de 1889, e o prazo para a sua execução era de cinco anos.

O Decreto Imperial garantiria a concessão gratuita das terras marginais. Isto é, estava assegurada à companhia construtora o usufruto das terras por onde a linha passasse, num limite de 15 Km de extensão a partir de cada margem dos trilhos. O dinheiro foi conseguido através de investidores europeus.

Após 15 anos, a via contava com apenas 599 Km em funcionamento. Neste momento, o norte-americano Percival Farquhar assume o controle da Companhia Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande, fundando a Brasil Railway Company.

 

O CAPITAL INTERNACIONAL

 

O grupo Farquhar já atuava em Cuba, Guatemala, e El Salvador, nos setores de transportes (bondes e ferrovias) e energia elétrica. Seu primeiro investimento no Brasil data de 1904, por incentivo do governo republicano. Farquhar atuou em diversas partes do território nacional.

Incorporou a Rio de Janeiro Light & Power Company (RJ), foi responsável pela construção e exploração do porto de Belém (PA) e pela Estrada de Ferro Madeira – Mamoré (AM). Participou ainda das seguintes ferrovias: E.F. Paraná, E.F. Dona Teresa Cristina, E.F. Mogiana, E.F. Mogiana, E.F. Paulista e E.F. Sorocabana.

Dominou o transporte fluvial da Amazônia com a Amazon Development Co. e a Amazon Land & Colonization Co. (empresa a que pertenciam os 60.000 Km2 do atual Amapá). Controlou os portos do Rio de Janeiro (RJ), Paranaguá (PR) e Rio Grande (RS).

Sua empresa, Brazil Land, Cattle & Packing Co. somava 4.000.000 acres do Pantanal mato-grossense com 140.000 cabeças de gado, em Descalvados. Fundou ainda o primeiro frigorífico do Brasil, em Osasco (SP), construiu um hotel-cassino no Guarujá (SP) e ergueu a maior serraria da América do Sul, em Três Barras (SC).

O investidor americano tinha o ambicioso projeto de construir um sistema ferroviário unificado na América do Sul. O primeiro passo foi a abertura da Brazil Railway Company, em 1906, quando o empresário adquiriu o trecho construído da Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande. Ganhava, assim, o direito sobre os 6.000.000 de acres que margeavam a linha férrea. Farquhar pretendia desenvolver a agricultura comercial, tendo em vista abastecer São Paulo, e exportar a madeira, pelo porto de Paranaguá.

Em quatro anos de sua administração, a Brasil Railway concluiu o trecho inacabado da E.F. São Paulo – Rio Grande. Em 1910 a via é entregue ao tráfego. A possibilidade de confronto armado entre Brasil e Argentina levaria o governo a incentivar o aceleramento de sua construção.

A obra a ser executada rasgaria as terras Contestadas, trazendo para lá importante contingente populacional. A empresa contratou algo em torno de 8.000 homens, vindos do proletariado de Santos, do Rio de Janeiro, de Salvador e do Recife. Eram formadas equipes de trabalho, sobre responsabilidade de um taifeiro.

Estes grupos recebiam um determinado trecho a construir e o feitor se responsabilizava pelo pagamento dos empregados. A Companhia construía armazéns onde os trabalhadores adquiriam seus próprios mantimentos. Um bem armado corpo de segurança, com dezenas de homens, controlava os descontentamentos quanto aos constantes atrasos nos pagamentos e desmandos dos capatazes.

As manifestações de protestos dos operários eram reprimidas severamente pelos homens da segurança, que empregavam a violência com tranquilidade. Com o fim dos trabalhos, os operários não foram reconduzidos aos seus estados de origem. Essa massa de descontentes com a rígida exploração vieram agravar ainda mais os problemas da população local.

O número de moradores na região Contestada não parava de crescer. A terra era cada vez mais privatizada e o mate, principal fonte de riqueza, sofria uma queda de preços no mercado internacional. Sem trabalho, esses homens foram erguendo toscas residências ao longo das terras vizinhas aos trilhos da E.F. São Paulo – Rio Grande.

A Companhia, que recebera a concessão dessas terras através de Decreto do Governo Central, tinha planos concretos para a utilização da área ocupada por seus ex-funcionários. Farquhar pretendia extrair a madeira disponível e depois lotear a área para a venda a imigrantes.

Futuramente, tais lotes produziriam produtos alimentícios para abastecer as regiões produtoras de café, em São Paulo. O transporte das mercadorias seria feito através dos trens da própria Companhia, desta forma os ganhos seriam certos.